Como estamos no período junino, aproveitamos a oportunidade para falar sobre o coco, uma manifestação cultural de dança, música, canto e poesia oral. Essa brincadeira não fez parte desta pesquisa, mas foi a imersão que fiz para outra pesquisa, que me levou a fotografar a dança popular. Assim, eu vou transcrever parte do texto COCO DE SÃO JOÃO: A POÉTICA DO IMPROVISO, trabalho de conclusão do curso de especialização em língua portuguesa.
A origem do coco, assim como muitas manifestações tradicionais, é controvertida. Mário Souto Maior afirma que, segundo Aloísio Vilela (1980), o Coco teve origem no Quilombo dos Palmares, inicialmente como cantiga de trabalho ligada à colheita dos frutos dos coqueirais. De canto de trabalho, foi incorporado ao lazer e às festividades diversas.
Todavia, Luís Câmara Cascudo, aponta semelhanças entre a dança do Coco e a construção poética dos cantos dos nossos indígenas, tendo assim uma possível influência ameríndia. Também Mário de Andrade nota, na forma de entremear refrãos e exclamações de ligação no texto do coquista, parentesco muito próximo de processos ameríndios particularmente e de processos que apareciam nas cantigas bilíngues afro-portuguesas.
Já Maria Ignez Novais Ayala aponta dificuldades não só quanto à identificação da origem dessa manifestação cultural, como argumenta que:
Por causa das diferenças ocultadas sob essa designação, parece mais apropriado atribuir-lhes um tratamento plural, equivalendo a dizer que sob o mesmo nome podem se revelar mais do que múltiplas formas de uma única manifestação cultural; podem se apresentar diferentes práticas poéticas de mais de um sistema literário.
Os Cocos são encontrados em toda região Norte e Nordeste do Brasil, especialmente nos estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco. No entanto, também é possível brincar Coco em Estados como São Paulo, onde é grande a influência dos nordestinos. Observa-se que as variações do folguedo ocorrem pelas mudanças de nomenclatura de uma região para outra, por algum aspecto na dança e, principalmente, pela diferença na métrica dos versos que são cantados.
No passado se cantava o Coco nas casas dos compadres, especialmente para comemorar o São João; porém, hoje, a brincadeira acontece em diferentes épocas do ano e não apenas no ciclo junino. A brincadeira do Coco está bem viva e atuante, sendo encontrada em muitos lugares, em diferentes contextos, sendo desenvolvida principalmente por descendentes de negros.
No Nordeste são muitos os Cocos conhecidos: Coco de Praia, Coco do Sertão, Bambelô ou Coco de Zambê, Coco de Toré, Coco de Mazurca, Coco de Roda, Samba de Aboio, Samba de Coco, Coco de São João, dentre outros. Eles têm em comum a troca contínua de réplicas entre vozes solistas e corais, sons instrumentais e movimentos de dança. Parte-se sempre de uma cantiga curta e fixa, repetida como refrão entre as intervenções individuais, propícias ao verso improvisado.
O canto vem do solista, chamado Coqueiro, Coquista, Tirador ou Puxador de Coco e a festa sempre inicia quando o mestre cantadô puxa os cantos, que podem ser de improviso ou já conhecidos pelos demais. A coletividade dança, bate palmas e canta em resposta ao solista cantador.
Em relação à organização da dança em roda, esta guarda semelhanças com inúmeras outras manifestações (re)criadas nos cativeiros e aldeamentos indígenas do Brasil. Outra característica coreográfica expressiva do Coco é a umbigada, usada para convidar os participantes a entrar no centro da roda ao som de instrumentos percussivos: ganzá, pandeiro, bombo (bumbo ou zabumba), tamancos e palmas.
Pelo fato de estas manifestações apresentarem a música, a poesia e a dança
de forma tão intimamente interligada, Mário de Andrade denominou-as de “cantos orquéstricos”. Porém, é necessário salientar a importância da poesia nestes cantos. Maria Alice Amorim, quando trata desta questão, argumenta que:
Quando se constata que desde os primórdios poesia, música e dança se misturam nas manifestações lúdicas e ritualísticas da humanidade, compreende-se que continua não sendo diferente em diversas tramas dessa rede poética que conhecemos: […] Na roda de Coco, na roda de ciranda, só a música ou só a dança não fazem sentido se não houver, ali, um poeta que embriague a todos de poesia, que empolgue a platéia com os jogos verbais, com a poesia que é verbo, voz, visualidade, corpo, sinestesia.
Para finalizar cito a definição de Mário de Andrade sobre esse brinquedo tão significativo na cultura pernambucana: […], esses Cocos nordestinos sempre molengos na dicção, sejam afobados ou vagarentos, irônicos, malincônicos, alegres, pacientes, saem do caboclo com uma ardência maravilhosa. São ardentes. São expressivos. São profundamente humanos e sociais.
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Quer saber mais sobre as brincadeiras fotografadas? Dá uma olhada aqui.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Os cocos. 1. ed. São Paulo: INL, 1984.
ROSAS, Paulo. Um Canto de Trabalho. In Pernambuco Imortal III – Cultura. Realização Jornal do Commercio. Música – fascículo / Recife, 2001. Coordenação do fascículo – Dinara Helena Pessoa
SOUTO MAIOR, Mário. Riqueza, alimentação e folclore do Coco. Recife: 20-20 Comunicação e Editora Ltda., 1994.
AYALA, Maria Ignez Novais. Os Cocos: uma manifestação cultural em três momentos do século XX. Estud. av. [online]. 1999, vol.13, n.35, pp. 231-253. ISSN 0103-4014. doi: 10.1590/S0103-40141999000100020. Disponível em Acesso em: 19/8/2011.
BORBA, Alfredo et al. Brincantes. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000, p. 105.
TRAVASSOS, Elizabeth. Palavras que consomem: contribuição à análise dos Cocos-deembolada. Rev. Inst. Estud. Bras., São Paulo, n. 51, set. 2010. Disponível em . Acessado em 19 set. 2011.
AMORIM, Maria Alice. No visgo do improviso ou A peleja virtual entre cibercultura e tradição: comunicação e mídia digital nas poéticas de oralidades. São Paulo: EDU, 2008. Pág. 37.
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