Maracatu de Baque Solto (Maracatu Rural)

Quando criança, eu tinha um misto de medo e fascínio pelos homens enormes vestidos com roupas bordadas de miçangas, chapéus esvoaçantes, lanças cheias de fitas multicoloridas e chocalhos ruidosos. Eram os caboclos de lança, figuras emblemáticas, cheias de beleza e magia.

Os caboclos de lança são a figura que mais se destaca no maracatu rural, manifestação cultural pernambucana também conhecida como maracatu de baque solto, de orquestra ou de trombone. O maracatu de baque solto tem forte tradição na palha da cana, sobretudo na Zona da Mata Norte, em Pernambuco, e seus brincantes são, em sua maioria, trabalhadores rurais. No entanto, na década de 1930, o êxodo rural levou o maracatu rural para as áreas urbanas do que hoje é a Região Metropolitana do Recife.

É um folguedo complexo que mistura várias brincadeiras como, por exemplo, o bumba-meu-boi, o caboclinhos e as cambindas. É apresentado em forma de um cortejo real de visual plástico fascinante, que inclui figurino exuberante, dança vigorosa, saltitante e ágil, batida forte da percussão e repente poético do mestre tirador de loas[1].

O cortejo é formado por rei e rainha que desfilam sob um grande guarda-sol, chamado de pálio, seguidos de dama, valete e porta-lampiões. Nesse conjunto abrem alas os denominados personagens sujos: a burrinha, o babau, o caçador, a dupla de palhaços Mateus e Catirina. Também acompanham o cortejo o baianal ou cordão de baianas. A dama do passo se destaca na comitiva porque carrega a boneca ou calunga, objeto ritual que simboliza entidades espirituais. Acompanham a comitiva, ainda, os caboclos de lança e os de pena ou arreiamá, o balizeiro, o símbolo e o porta-símbolo, o bandeirista conduzindo o estandarte; como também o mestre, o contra-mestre e a orquestra.

A orquestra, por sua vez, é composta por instrumentos de sopro e percussão, e o mestre entoa versos improvisados e/ou decorados. Enquanto executa a música em ritmo acelerado, os brincantes dançam freneticamente, fazendo manobras e evoluções. As baianas rodopiam, balançam-se individualmente, enquanto que os caboclos de lança deslocam-se rapidamente em filas indianas, com uma dança vigorosa, cuja principal característica é a liberdade criadora.

E quando o apito do mestre indica o recomeço da poesia, sinaliza-se uma nova parada da dança. A orquestra para de tocar e o mestre entra, a cada vez, com uma estrofe das toadas e loas que desfia ao longo da apresentação[2]. É preciso esperar a autorização do mestre para o recomeço da música e quando isso acontece todos voltam a dançar, com destaque para os caboclos de pena e os caboclos de lança, que com suas evoluções e manobras encantam toda a gente.

[1] Dossiê do Inventário nacional de Referências Culturais do Maracatu de Baque Solto, in http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossiê_MARACATU_RURAL.pdf. Acessado em 16/07/2017.

[2] AMORIM, Maria Alice. No visgo do improviso ou A peleja virtual entre cibercultura e tradição: comunicação e mídia digital nas poéticas de oralidade. São Paulo: EDUC, 2008.

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Dossiê do Maracatu de Baque Solto
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REFERÊNCIAS

ANDRADE, Mário. Danças Dramáticas do Brasil.2 ed. Belo Horizonte: Itacaia; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1982.

AMORIM, Maria Alice,  Patrimônios Vivos de Pernambuco. Recife: FUNDARPE, 2010.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICOS NACIONAL. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em: 01 dez. 2016.

LIMA, Cláudia. Evoé:história do carnaval – das tradições mitológicas ao trio elétrico. 2aEdição. Recife: raízes brasileiras, 2001.

MAIOR, Mário Souto e SILVA, Leonardo Dantas (orgs). Antologia do Carnaval do Recife. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1991.

OLIVEIRA, Maria Goretti Rocha de. Danças populares como espetáculo público no Recife, de 1979 a 1988.Recife: O autor, 1991.

REAL, Katarina. O Folclore no Carnaval do Recife. 2a. edição revisada e aumentada. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1990.